segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O bom viajante versus o mau viajante

Há muitas teorias sobre o viajante que não sabe viajar. É aquele que leva a casa atrás, que gasta o orçamento de três boas viagens em três dias num quarto de hotel luxuoso, que procura o conhecido no meio do desconhecido, que regressa com um sorriso. Um Ulisses dos tempos do turismo, sem a dimensão épica do herói grego.
Por outro lado, poucas vezes o viajante de pé-no-chinelo e mochila às costas que se deslumbra com o terceiro-mundo é atacado, pelo menos não tanto como aqueles que deixam esse terceiro-mundo por trás da cortina de palmeiras. Mas esmiuçando as ideias por trás destas divagações, mais ou menos engajadas, pouco de substância se encontra. São apenas desabafos, porque viagem e soberba não combinam.
O bom viajante é aquele que sabe que nada conhece, por muitas horas de voo que tenha no lombo, por muitos carimbos que traga no passaporte. Se ao mau viajante é complicado identificar-lhe os traços, do bom emanam pequenos sinais inconfundíveis.
Tal como na procura do conhecimento, o alvo deve ser posto no “querer” e nunca no “saber”. Não existe o indivíduo que não sabe viajar. Mas existe aquele que não quer viajar. Porque é difícil, porque é duro como a busca do conhecimento, e só as perspectivas construtivistas podem conceber um conhecimento sem dor. (O mundo está cheio de “génios” que nunca sofreram, excepto com a ingratidão daqueles que não lhes reconhecem as extraordinárias aptidões.) Não é abordagem estranha aliar conhecimento e viagem. Ambos se constróem sobre o esforço, ambos crescem em redor do fracasso, da tentativa e do erro. Não há viagem sem coragem, não há salto epistemológico sem arrojo. Um e outro não foram feitos para a alma sedentária. Os donos destas ficam em Lisboa a comer sardinhas. Os outros arriscam e vão prová-las, albardadas, em Lubliana. São melhores por isso? Não, são diferentes.
Existe, ou não, o mau viajante? Não sei. Mas há formas de identificá-lo implicitamente, de retirá-lo do outro conjunto. O bom viajante não chega de uma viagem em silêncio, como se tivesse acabado de superar uma pequena contrariedade; o bom viajante é um eterno deslumbrado; o bom viajante nunca está satisfeito; o bom viajante...viaja. Sempre que pode, por menos de nada...

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